RIO DE JANEIRO - ‘‘Aqui, nesta estação,
ninguém paga passagem, a entrada é liberada. A venda de drogas, também. A única
regra é chegar e sair calado’’. A informação, dada por um passageiro de trem,
corresponde ao que acontece numa parte da malha ferroviária da Supervia, um
sistema de transporte público fundamental para uma grande parcela da população
fluminense, no qual viajam cerca de 620 mil pessoas por dia. Hoje, o tráfico
atua livremente em 16 estações de trem.
A situação chegou a
tal ponto que, em uma das paradas — a estação Tancredo Neves, no ramal de Santa
Cruz —, não há mais funcionários da concessionária, que foram expulsos por
bandidos: o tráfico tem o controle de toda a plataforma. Ali, traficantes
circulam armados e vendem drogas em locais onde deveriam estar trabalhando
bilheteiros, seguranças e operadores de tráfego.
A reportagem do GLOBO
passou uma semana viajando pelo sistema ferroviário e registrou a movimentação
de traficantes e usuários de drogas em 43 pontos. Os problemas mais graves
ocorrem nos ramais de Santa Cruz e Belford Roxo, que, juntos, recebem 128 mil
passageiros por dia. No primeiro, pelo menos seis áreas ao longo da via férrea
estão dominadas por facções criminosas. Nas estações de Magalhães Bastos e
Tancredo Neves, a venda e o consumo de maconha, cocaína e crack acontecem no
meio das plataformas, sem qualquer repressão.
“Tem pó de cinco e de
dez’’, anunciava, aos berros, um dos 20 traficantes que, na tarde da última
quarta-feira, circulavam pela estação Tancredo Neves, onde, pelos cálculos da
Supervia, cerca de 1.600 passageiros embarcam e desembarcam diariamente”. É a
penúltima parada para quem começou uma viagem de aproximadamente duas horas na
Central do Brasil. Cápsulas de cocaína, já vazias, podem ser vistas pelo chão
da plataforma.
Em geral, a droga é
consumida perto dos trilhos por dezenas de usuários de droga. A cena provoca
medo. Trabalhadores que usam a estação caminham para suas casas de cabeça
baixa, evitando olhar para os traficantes, as maiorias jovens, que, com
radiotransmissores, observam o vaivém.
— Realmente não temos mais funcionários ali.
Estamos seguindo orientações da Secretaria estadual de Segurança para não
entrarmos em confronto com o tráfico. Vamos nos manter o mais distante possível
até as autoridades policiais tomarem uma providência — diz o presidente da Supervia,
Carlos José Cunha.
No ramal de Belford
Roxo, traficantes atuam em pelo menos dez estações. Em alguns pontos, foram
erguidos barracos a poucos metros dos trilhos, que, durante o dia, são bocas de
fumo, e, à noite, viram abrigos para os dependentes — que não deixam mais a
malha ferroviária depois que escurece. Há adolescentes, idosos e até mulheres
grávidas se drogando o tempo todo. A disputa por passageiros é grande: de um
lado, traficantes tentam atrair potenciais clientes mostrando trouxinhas de
maconha, pedras de crack e papelotes de cocaína; de outro, evangélicos gritam
“aleluia” e entregam panfletos com endereços de suas igrejas, prometendo a
salvação para os viciados.
Segundo a Supervia, o
problema está se agravando. Nos ramais de Santa Cruz e Belford Roxo, existem
mais de 150 buracos nos muros ao longo das linhas férreas, abertos por bandidos
para facilitar o entra e sai de dependentes e as fugas durante eventuais
operações de combate ao tráfico. A concessionária informa que monitora as
passagens abertas irregularmente e fecha, em média, quatro por mês. Porém, destaca
que traficantes voltam a abrir buracos horas depois. É perto dessas aberturas
nos muros que acontecem feiras de crack, maconha e cocaína. Com
radiotransmissores, bandidos vigiam quem se aproxima e, dependendo das vendas,
ordenam novos abastecimentos de drogas, que chegam em sacolas.
A concessionária que explora o sistema
ferroviário calcula que cerca de 40 mil pessoas usam os buracos abertos pelo
tráfico e acessam estações sem pagar passagem. O fluxo faz com que,
diariamente, R$ 128 mil deixem de ser arrecadados nas bilheterias. Por ano, o
valor que passa longe dos caixas gira em torno de R$ 46 milhões.
— São recursos que perdemos e que poderiam
ser investidos na modernização das linhas e no conforto dos passageiros —
afirma o presidente da Supervia.
A Secretaria estadual
de Segurança diz, por meio de sua assessoria de imprensa, que relatou à Polícia
Militar os problemas apontados pela reportagem. Em nota, a PM garante que faz
operações regulares na malha ferroviária. A corporação destaca que, de janeiro
a julho deste ano, policiais do 27º BPM (Santa Cruz) detiveram 51 pessoas na
Favela de Antares, que fica nos arredores da Estação Tancredo Neves, e
apreenderam 28kg de cocaína, 2.913 sacolés de cocaína, 3.483 pedras de crack e
29 frascos de cheirinho da loló, além de 613 gramas de haxixe. Foram
encontradas ainda 12 pistolas, uma espingarda e uma réplica de metralhadora.
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Ainda de acordo com a
PM, equipes do Grupamento de Policiamento Ferroviário da PM trabalham em
plataformas e dentro dos trens. Este mês, 162 foram detidas no sistema
ferroviário, diz a corporação.
PROBLEMA
JÁ EXISTIA EM 1997
Uma reportagem do
GLOBO de 1997, intitulada “O expresso do pó”, já alertava, há 17 anos, para o
problema do tráfico na via férrea. Naquele ano, bandidos atuavam em um terço
das 90 estações espalhadas por 274 quilômetros da malha ferroviária. Os maiores
problemas eram registrados em estações como a de Vieira Fazenda, ao lado da
Favela de Jacarezinho, onde criminosos haviam arrancado as roletas, ordenando
aos bilheteiros que fossem embora e transformando o lugar numa boca de fumo. A
venda de maconha e cocaína acontecia sem repressão. Além disso, criminosos
circulavam armados pelos vagões.
Em 2007, O GLOBO
publicou nova reportagem, mostrando que, além da capital, o tráfico já atuava
na linha férrea em outros dez municípios. Na cidade do Rio, a estação perto do
Jacarezinho continuava com venda de drogas, e crianças e adolescentes eram os
principais consumidores.
ROTINA
MARCADA PELO MEDO
Em diversas estações
no ramal de Santa Cruz e Belford Roxo, são traficantes com radiotransmissores
que ditam as regras, deixando assustados passageiros e funcionários da Supervia.
— Alguns marginais vão diretamente à cabine e
exigem que a gente mude a frequência do rádio para que possam usar a nossa
(para ter informações sobre a circulação dos trens e saber se a SuperVia está
acionando a PM). Assim, ficamos sem comunicação para receber dados sobre
liberação de vias, entre outros — conta um maquinista.
Passageiros dizem que usuários de drogas e
traficantes circulam pelos vagões.
— Outro dia um rapaz começou a cheirar
cocaína do meu lado e do meu neto de 9 anos — conta um passageiro.
SEM
FISCALIZAÇÃO, USO DE DROGAS É COMUM DENTRO DOS VAGÕES.
Uma manicure que
utiliza o ramal Santa Cruz de segunda a sexta-feira se diz aterrorizada pela
falta de segurança dentro dos trens:
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— Todos os dias,
tanto viciados quanto traficantes sobem e descem na minha estação. Não existe
qualquer tipo de fiscalização. Os trens agora são lugares inseguros, porque
viajam neles pessoas que roubariam e matariam para poder usar drogas.
Outra passageira que
sofre com o tráfico nas estações é uma costureira também usuária do ramal Santa
Cruz. Ela conta que, ao entrar num vagão na estação de Santíssimo, um rapaz se
sentou ao seu lado para cheirar cocaína:
— Ele não tinha mais
do que 15 anos. Logo que ele começou a cheirar, um segurança entrou no vagão
para adverti-lo. Mas pouco depois um outro menino, traficante, entrou e
perguntou ao segurança se ele ia incomodar seu cliente. O segurança apenas
respondeu que não, deu meia-volta e foi embora. Eu então saí e troquei de
vagão.
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Bandidos agem em 16 estações e expulsam os funcionários
da Supervia
Reportagem do GLOBO de 1997 já alertava para
o problema do tráfico na via...
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