´POLÍCIA FERROVIÁRIA FEDERAL

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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Notas sobre o Estado Democrático de Direito

Ivan Gerage Amorim

Elaborado em 12/2008.

Enquanto princípio, o Estado Democrático de Direito passa a adquirir densidade normativa ante as atuais tendências no direito constitucional. Essa valoração dos princípios acaba por marcar a passagem do positivismo para o pós-positivismo, possibilitando um maior exercício quanto à defesa e efetivação dos direitos fundamentais.

Introdução (e a problemática de uma difícil conceituação)

O Estado de Direito, que se difere do Estado do Direito, possui conceitos diversos e deve ser observado com atenção, de acordo com as transformações históricas que contribuíram para o desenvolvimento da atual noção que temos sobre o tema.

Entrementes, o conceito de Estado Democrático de Direito, tal como conhecemos hoje, decorre dos acontecimentos principalmente do pós- 30, embora devamos observar sua evolução histórica (‘dividida’ em Estado Liberal de Direito; Estado Social de Direito e Estado Democrático de Direito) para melhor compreensão do assunto nos ‘moldes’ de hoje.

Por conseguinte, qualquer tentativa de aprofundamento teórico sobre o tema se esbarra na multiplicidade de entendimentos que, consequentemente, faz o trabalho se manifestar como uma ‘bricolagem’ de fatos históricos e entendimentos distintos.

Dallari, por exemplo, atenta para o perigo dos conceitos ambíguos de Estado de Direito e cidadania, haja vista os conceitos equívocos não indicarem necessariamente um compromisso com a liberdade e a democracia.

Para Carl Schmitt, o Estado de direito caracteriza-se como "todo Estado que respeita sem condições o direito objetivo vigente e os direitos subjetivos que existam." Carl Schmitt atenta ainda para a questão ao afirmar que, "con la frase Estado de Derecho no se logra para nuestro problema una solución definitiva. Precisamente cabe demandar instituciones diversas y hasta contradictorias invocando el Estado de Derecho".

Para Dimoulis:

O conceito de Estado de Direito apresenta utilidade se for entendido no sentido formal da limitação do Estado por meio do direito. Nessa perspectiva, o conceito permite avaliar se a atuação dos aparelhos estatais se mantém dentro do quadro traçado pelas normas em vigor. Isso não garante o caráter justo do ordenamento jurídico, mas preserva a segurança jurídica, isto é, a previsibilidade das decisões estatais. O conceito do Estado de direito material é, ao contrário, problemático. As tentativas de "enriquecimento" do conceito, no intuito de considerar como Estado de direito somente o ordenamento que satisfaz os requisitos da justiça, estão fadadas ao fracasso, já que não parece possível definir o que é um Estado justo.

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Nesse contexto, também a lei e suas modificações são importantes para se definir o Estado de Direito, não simplesmente pela concepção acerca da legalidade. A partir do século XVIII, já na idade moderna, com influência do iluminismo, diversas transformações ocorreram. Em tal período, traços filosóficos característicos de um Estado de Direito Liberal, cuja crença se calcava na hiper-suficiência e na igualdade dos indivíduos, se mostravam fortemente presentes numa época de Estado mínimo. No momento de organização pela harmonização natural, se justifica a presunção lógica do conhecimento prévio da lei pelo indivíduo.

Outro aspecto presente do Estado de Direito liberal é o caráter das relações inter-pessoais presente na lei. Parecer haver uma sobrepujança do direito privado sobre o direito público, em outros termos uma relação de preponderância do direito civil.

No final do século XIX e início do século XX, demais transformações mundiais corroboraram com o pensamento de um Estado de Direito que observasse os aspectos sociais. Neste período a própria sociedade e o Estado são responsáveis pela hipossuficiência do indivíduo. Este Estado de Direito Social substitui a harmonia natural por políticas públicas e macroeconômicas numa tentativa de regulação do mercado.

No Brasil, com a introdução da concepção de Estado Democrático de Direito, nos moldes das Constituições francesa e espanhola, sobre o qual o império da lei se fundamenta, a justiça social deve respeitar também a pluralidade do indivíduo, abrangendo as liberdades econômicas, sociais e culturais.

Enquanto princípio, o Estado Democrático de Direito passa a adquirir densidade normativa ante as atuais tendências no direito constitucional. Essa valoração dos princípios acaba por marcar a passagem do positivismo para o pós-positivismo, possibilitando um maior exercício quanto à defesa e efetivação dos direitos fundamentais.

Breves apontamentos sobre o desenvolvimento do Estado de Direito

Tal expressão apareceu, segundo Hayek, num livro de Welcker publicado em 1813, no qual se distingue três tipos de governo: despotismo, teocracia e Rechtsstaat. Por outro lado, Luc Heuschiling ensina que este termo fora criado na Alemanha em 1798, por Wilhelm Placidus. Ademais, foi igualmente na Alemanha que se desenvolveu, no plano teórico e filosófico, a doutrina do Estado de Direito. Nas pegadas de Kant, Von Mohl e mais tarde Stahl lhe deram a feição definitiva. Entretanto, o Estado de Direito, na forma clássica, provém de uma longa e profunda tradição. É ela a da existência de um direito não criado pelos homens, superior ao Direito positivo que o Poder edita.

Duguit, por sua vez, ao tratar da construção jurídica do Estado, menciona que os homens que detêm o poder são submetidos ao direito a ele ligados. Assim, o Estado está submetido ao Direito; é segundo a expressão alemã o denominado Rechtsstaat, um Estado de Direito.

Em paralelo surgiu na Inglaterra, nas últimas décadas do século XIX o termo rule of law (literalmente: dominação da lei ou império do direito) para designar o tipo de organização política e jurídica daquele país, segundo os princípios da igualdade de todos perante a lei, do respeito aos direitos individuais por parte do Estado e da submissão do executivo às normas jurídicas criadas pelo Parlamento e pelo Poder Judiciário.

Noutras palavras:

O Estado deve ser não só criador, mas também servidor da lei. Isso significa que não devem governar os homens: devem governar as leis! "A government of laws and not of men", proclama o art. 30 da Constituição de Massachusetts de 1780. O Estado submetido ao próprio direito foi denominado Rechtsstaat (Estado de Direito), segundo o termo cunhado na Alemanha nas primeiras décadas do século XIX. O termo indica a oposição entre o Estado submetido ao direito positivo, no intuito de garantir aos indivíduos seus direitos.

Contudo algumas mudanças puderam ser observadas:

Uma mudança fundamental consistiu, a partir da segunda metade do século XIX, na gradual integração do Estado político com a sociedade civil, que acabou por alterar a forma jurídica do Estado, os processos de legitimação e a estrutura da administração.

A estrutura do Estado de Direito pode ser, assim, sistematizada como:

1) Estrutura formal do sistema jurídico, garantia das liberdades fundamentais com a aplicação da lei geral- abstrata por parte dos juízes independentes;

2) Estrutura material do sistema jurídico, liberdade de concorrência do mercado, reconhecida no comercio aos sujeitos de propriedade;

3) Estrutura social do sistema jurídico: a questão social e as políticas reformistas de integração da classe trabalhadora;

4) Estrutura política do sistema jurídico: separação e distribuição do poder.

As mudanças ocorridas nas estruturas material e social do sistema jurídico foram origem das transformações em nível político, principalmente.

Traçando as características do Estado Liberal de Direito, José Afonso da Silva adverte que tal concepção servira de apoio aos direitos do Homem, convertendo os súditos em cidadãos livres, evoluindo tal concepção e enriquecendo-se de novo conteúdo. Por tal motivo, a expressão Estado Liberal de Direito ou Estado Social de Direito, nem sempre caracteriza o Estado como democrático, mesmo sendo incorporada a noção de social juntamente com a expressão democrático nas Constituições da Espanha e Alemanha.

A partir das Revoluções, vão se consagrando alguns princípios liberais e econômicos. O individualismo corporificado no Estado Liberal, e a atitude de omissão do Estado frente aos problemas sociais e econômicos, vai conduzindo os homens a um capitalismo que acarreta misérias sociais. Após a Primeira Guerra, as novas Constituições que vão surgindo, começam a se preocupar com a estrutura política do Estado, mas também salientam o direito e o dever do Estado em garantir uma nova estrutura exigida pela sociedade. A partir desse momento, algumas exigências da sociedade vão se contrapor aos direitos absolutos da Declaração de 1789. Agora preocupado com a ordem social, há uma ampliação do conteúdo dos direitos fundamentais, havendo então uma consagração dos direitos sociais nas Constituições modernas.

Uma evolução vem marcada pela passagem do Estado Liberal de Direito ao Estado Social de Direito, sendo este concebido como formula que, através de uma revisão e reajuste do sistema, evite os defeitos do Estado abstencionista liberal e, sobretudo, do individualismo que lhe servia de base.

Díaz, ressaltando o aspecto socialista em sua obra,mostra que o característico do Estado social de Direito é o de compatibilizar em um mesmo sistema dois elementos: um, o capitalismo como forma de produção e outro, a consecução de um bem estar social geral. A análise e compreensão das insuficiências e contradições do sistema econômico e do sistema ideológico que deriva do neocapitalismo marca, para o mesmo autor, o sentido teórico da superação do Estado social de Direito.

Quanto ao Estado dito social, o termo ‘social’ pode ser entendido como correspondente ao conteúdo e alcance da ação estatal, mais extensa que a do Estado liberal. Uma inconfundível ampliação do governo e do Poder Executivo: tanto nos regimes reconhecidamente ditatoriais quanto em certas democracias onde o capitalismo onde o capitalismo persiste, porém remodelado pelo intervencionismo governamental.

O Princípio do Estado Democrático de Direito

O Estado liberal se caracterizou como um absenteísmo e como limitação de suas atribuições, e do Estado mínimo. O Estado é concebido como um mal necessário e sua interferência na ordem econômica e social é particularmente indesejada. Assim, a transformação do Estado liberal de direito em Estado Social de Direito acompanha a transformação da Democracia Política em Democracia Social, conseqüente à extensão do sufrágio universal e ao desenvolvimento dos direitos econômicos e sociais, buscando efetivar as possibilidades de acesso aos meios materiais necessários ao desenvolvimento da personalidade humana. Ademais, a idéia de Estado Social de Direito foi acolhida pela Lei Fundamental de Bonn, de 1949, que qualifica a República Federal Alemã como um Estado Democrático e Social de Direito.

O nível de desenvolvimento político, jurídico e social somente se operou com o advento do Estado Democrático de Direito contemporâneo. Tal Estado funda-se na idéia de justiça social, cujas origens remontam ao século XIX. Ademais, para que o Estado consubstancie-se como Democrático de Direito, deve declarar e assegurar os direitos fundamentais, que se manifestam vinculantes para toda a produção e interpretação do ordenamento jurídico nacional e para o exercício do poder estatal em suas três dimensões, em razão tanto de sua fundamentabilidade formal quanto material. Daí a definição de Estado Democrático de Direito, onde se assegura e declara os direitos fundamentais, direitos subjetivos da pessoa que materializam a liberdade concreta, dialeticamente tornando existência a essência do Direito.

O Estado Social Democrático de Direito tem suas raízes que remontam ao Estado de Direito instaurado a partir da Revolução Francesa, é caracterizado pela legitimidade, entendida, em sentido mais amplo, como abrangente da origem do seu pode, do exercício dessa e da finalidade do Estado. A origem do poder assim, está na vontade do povo, no seu consentimento, mas a sua legitimidade não se esgota apenas nesse momento.

Para Elías Díaz, o objetivo do Estado Democrático de Direito é justamente o de fazer realidade às exigências não cumpridas. E o Estado democrático, para não cair em um totalitarismo ‘democrático’, tem que ser, ao seu juízo, um Estado Democrático de Direito.

Assim:

Sendo a democracia modo de exercício do poder, é processo, o que significa que a técnica pela qual o poder, advindo da vontade popular, é exercido, deve coadunar-se aos procedimentos preestabelecidos mediante leis elaboradas por representantes eleitos, isto é, deve obedecer ao princípio da legalidade na execução do poder, pelo que o ato de autoridade tem validade segundo sua conformação legal, o que liga toda a execução da lei à origem, que é a vontade popular. (...) Enfim, é o Estado Democrático de Direito que se apresenta como organização político-estatal possibilitadora de uma legalidade legítima, que se funda nos direitos fundamentais criados soberanamente pelo próprio povo, destinatário e co-autor da ordem jurídica, É nesse Estado que a autonomia política atua contra a arbitrariedade de um poder mediante sua domesticação pelo jurídico.

No mais:

O significado do poder político sempre foi claro para os reacionários, até mesmo quando se inclinaram para a teoria política e econômica, pois o fato é que a teoria de não- intervenção do Estado foi aceita pelos reacionários somente quando o Estado começou a se tornar democrático.

Entrementes, o Estado constitucional é a forma de Estado de direito atualmente adotada em quase todos os países. Preservando a segurança jurídica, o Estado constitucional oferece uma considerável garantia de justiça: todos conhecem seus direitos e deveres e a submissão aos mandamentos constitucionais limita o risco de decisões arbitrárias das autoridades estatais. Noutras palavras, o Estado constitucional é uma forma de exercício realmente limitado do poder estatal.

Isso se mostra mesmo com a garantia de constitucionalidade das leis. Assim observado, as "garantias da Constituição significam portanto garantias das regularidades das regras imediatamente subordinadas a Constituição, isto é, essencialmente, garantias da constitucionalidade das leis".

Numa perspectiva da metódica constitucional, consoante procedimentos que satisfaçam as exigências imperativas no Estado de Direito a uma formação da decisão e representação da fundamentação:

O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescrições constitucionais é cumprido com muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferenciadores e estruturantes da análise do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa de elementos de concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com representações necessariamente formais de ponderação e consequentemente insinuam no fundo uma reserva de juízo em todas as normas constitucionais, do que com categorias de valores, sistema de valores e valoração, necessariamente vagas e conducentes a insinuações ideológicas.

Tal expressão, ‘Estado Democrático de Direito’, fora propugnada pelo espanhol Elías Diaz, que a empregou em sua obra ‘Estado de derecho y sociedad democrática’ com o significado de transição para o socialismo. Ademais, José Joaquim Gomes Canotilho, em ‘Constituição dirigente e vinculação do legislador’, confirma ao mencionar ‘Estado de Direito Democrático’ como socializante, tal qual na Constituição portuguesa. Mais ainda, trata-se de uma expressão que repudia o formalismo do Estado Legal.

No tocante à tarefa dos princípios em relação ao Estado Democrático de Direito na Constituição brasileira, José Afonso da Silva enumera a importância do princípio da constitucionalidade; do princípio democrático; do sistema dos direitos fundamentais; do princípio da justiça social, princípio da ordem econômica e da ordem social; do princípio da igualdade; do princípio da divisão dos poderes e da independência do juiz; do princípio da legalidade; e do princípio da segurança jurídica. Para o autor, a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em "superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize justiça social".

No mais, apresenta o autor sobre as transformações do Estado Liberal de Direito, para o Estado Social de Direito e, finalmente, o Estado Democrático de Direito. Neste sentido, válida é a observação de José Murilo de Carvalho, em ‘Cidadania no Brasil’ que, partindo da lógica piramidal inversa da apresentada por Marshall na Inglaterra, recorda-nos que, no Brasil, ainda hoje muitos dos direitos civis (base da teoria de Marshall) ainda continuam inacessíveis à maioria da população.

O Estado de Direito, resultado das conquistas do movimento liberal-burguês, advinha da preocupação com a contenção do poder estatal e dos direitos e garantias individuais, em sentido formal. Mas isso não era suficiente para garantir um Estado de Direito democrático, tal como hoje se entende. No mais, o atual Estado Democrático de Direito transcende à mera garantia formal das liberdades individuais, incorporando os postulados do Estado Social, que nem sempre foi democrático, a fim de garantir um Estado sujeito ao império da lei, mas também preocupado em assegurar o desenvolvimento das potencialidades do cidadão e sua participação no cenário político.

Nesse aspecto, considera-se que a prevalência da vontade da maioria, em um regime democrático, tem como contrapartida a observância do direito de manifestação da minoria.

Quanto ao Estado de Direito e à democracia, pertinente a lição de José Afonso da SILVA:

A democracia, como realização de valores (igualdade, liberdade e dignidade) de convivência humana, é conceito mais abrangente do que o de Estado de Direito, que surgiu como expressão jurídica da democracia liberal. A superação do liberalismo colocou em debate a questão da sintonia entre o Estado de Direito e a sociedade democrática. A evolução desvendou sua insuficiência e produziu o conceito de Estado Social de Direito, nem sempre de conteúdo democrático. Chega-se agora ao Estado Democrático de Direitoque a Constituição acolhe no art. 1o como um conceito-chave do regime adotado, tanto quanto o são o conceito de Estado de Direito Democrático da República Portuguesa (art. 2o) e o de Estado Social e Democrático da Constituição Espanhola (art. 10)".

O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamado no caput do artigo, adotou, igualmente, no seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Assim, o princípio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país.

No que diz respeito ao alcance do princípio democrático:

A articulação das duas dimensões do princípio democrático justifica a sua compreensão como um princípio normativo multiforme. Tal como a organização da economia aponta, no plano constitucional, para um sistema econômico complexo, também a conformação do princípio democrático se caracteriza tendo em conta a sua estrutura pluridimensional. Primeiramente, a democracia surge como um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio democrático recolhe as duas dimensões historicamente consideradas como antitéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democrática-representativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por outro lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do princípio democrático a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular directa, reconhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática etc.).

Neste contexto:

O fenômeno de subjetivação e de positivação começa a concretizar-se também em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, pois a ordem econômica e social adquire dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram a disciplina-las sistematicamente, como elementos sócio-ideológicos que revelam o caráter de compromisso das constituições contemporâneas entre o Estado Liberal individualista, o Estado Social intervencionista e, mais recentemente, como é o nosso caso, o Estado Democrático de Direito.

No tocante aos princípios, Grabitz define como "abertos" os princípios da Constituição, tais como os da liberdade, o da dignidade da pessoa humana e do Estado de Direito. Assim, não há distinção entre princípios e normas, os princípios são dotados de normatividade, as normas compreendem regras e princípios, a distinção relevante não é, como nos primórdios da doutrina, entre princípios e normas, mas entre regras e princípios, sendo as normas o gênero, e as regras e os princípios a espécie. Essa jurisprudência tem feito a forca dos princípios e o prestigio de sua normatividade- traço coetâneo de um novo Estado de Direito cuja base assenta já na materialidade e preeminência dos princípios".

Neste sentido, Dimoulis observa que o constituinte brasileiro compreende o conceito de Estado do direito no seu sentido formal. A Constituição Federal qualifica a República como um "Estado democrático de direito" (art. 1°. caput). O adjetivo "democrático" foi colocado justamente porque o constituinte entendia que a simples referência a "Estado de direito" não garantia a natureza democrática do regime.

Para Carlos Ayres Brito:

É do nosso pensar que o ser das Constituições ocidentais, ao menos daquelas nascidas do ventre de uma Assembléia Nacional Constituinte, esteja na Democracia. Tanto na democracia formal quanto na material; isto é, assim no Estado Democrático de Direito como no Estado de Direito Democrático, de cujo casamento por amor resulta o ansiado Estado de Justiça. Ou o caráter holístico de tais Constituições.

Os princípios fundamentais, segundo Barroso, expressam as principais decisões políticas no âmbito do Estado, aquelas que vão determinar sua estrutura essencial. Veiculam, assim, a forma, o regime e o sistema de governo, bem como a forma de Estado. De tais opções resultará a configuração básica da organização do poder político. Também se incluem nessa categoria os objetivos indicados pela Constituição como fundamentais à República [39] e os princípios que a regem em suas relações internacionais. Por fim, merece destaque em todas as relações públicas e privadas o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), que se tornou o centro axiológico da concepção de Estado democrático de direito e de uma ordem mundial idealmente pautada pelos direitos fundamentais.

O entendimento do Estado Democrático de Direito enquanto um princípio fundamental da Constituição brasileira representa um avanço nas doutrinas constitucionais, principalmente no que concerne à possibilidade de aplicação e/ou interpretação desses conceitos.

O Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo, sobretudo através da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana, advindo daí a influência dos jusnaturalistas, tais como Locke e Rousseau, embora estes não tivessem chegado a propor a adoção de governos democráticos, tendo mesmo Rousseau externado seu descrédito neles.

Enquanto princípio e dotado de abstração, espalha seus valores pela Constituição, fazendo emergir uma concepção acerca da normatividade jurídica desses princípios, sendo o ‘democrático’ um dos basilares, senão o, da Constituição de 1988. Também os princípios se mostram importantes na hermenêutica constitucional, cuja funcionalidade consagra valores adequadamente veiculados à um determinado momento histórico, distinguindo-se no entanto das demais normas jurídicas, embora devam ser considerados como autênticas normas jurídicas.

Conforme Karl Lorenz, os princípios são definidos como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento. Para esse autor, os princípios seriam pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível, mas que ainda não são regras passíveis de aplicação, eis que lhes falta o caráter formal de proposições jurídicas, ou seja, a conexão entre uma hipótese de incidência e uma conseqüência jurídica.

Assim, "a articulação das dimensões de Estado de direito e Estado democrático no moderno Estado constitucional democrático de direito permite-nos concluir que, no fundo, a proclamada tensão entre "constitucionalistas" e "democratas", entre Estado de Direito e democracia, é um dos grandes ‘mitos’ do pensamento político moderno." A teorização do Estado de direito democrático centrou-se em duas idéias básicas: o Estado limitado pelo direito e o poder político estatal legitimado pelo povo. O direito é o direito interno do Estado; o poder democrático é o poder do povo que reside no território do Estado ou pertence ao Estado. Globalmente considerados, estes princípios revelam que o Estado só é constitucional se for democrático. Daí que ‘tal como a vertente do Estado de direito não pode ser vista senão à luz do principio democrático, também a vertente do Direito.

A instituição da Justiça Constitucional auxiliou na construção do edifício do Estado de direito, onde toda a atividade dos órgãos públicos deve se exercitar atendendo-se a normas jurídicas pré-estabelecidas. Neste sentido, o Estado de direito implica na limitação jurídica do poder político, e o problema da constitucionalidade resulta da rigidez constitucional, havendo portanto relação entre ambas as coisas.

Em Ciência Política, Bonavides, ao abordar a teoria de Kelsen diz que tal teoria:

Faz de todo Estado de Direito, por situar Direito e Estado em relação de identidade, uma vez que aceita apagaria na consciência do jurista o sentido dos valores e na sentença do magistrado os escrúpulos normais de equidade, do mesmo modo que favoreceria o despotismo das ditaduras totalitárias, por emprestar base jurídica a todos os atos do poder, até mesmo os mais inconcebíveis contra a vida e a moral dos povos. O exemplo e a experiência da Alemanha nazista é recente para mostrar até onde podem chegar as consequências de um positivismo normativista, a maneira Keslseniana.

Segundo Grimm:

Até hoje a legalidade da administração e a independência dos tribunais compõe o núcleo do princípio do Estado de Direito, porém, perante a tendência da política em perseguir seus objetivos da forma mais livre possível, continuam uma aquisição ameaçada que exatamente por isso, fica condicionada a tutela constitucional.

Num Estado submetido ao Direito, a atuação do Poder tem como pauta a lei. Nesse sentido, obedece ao princípio da legalidade e da igualdade, estando ambos submetidos ao crivo de uma justiça, daí decorrendo um terceiro princípio, o da justicialidade.

Os direitos fundamentais, neste aspecto, representam a tradição da tutela das liberdades burguesas: liberdade pessoal, política e econômica. Constituem um dique contra a intervenção do Estado. Pelo contrário, os direitos sociais representam direitos de participação no poder político e na distribuição da riqueza social produzida. A forma do Estado oscila, assim, entre a liberdade e a participação.

Concluindo, temos que a configuração desse novo conceito, configura mais que a simples agregação formal dos conceitos de Estado de Direito e Estado Democrático, revelando-se em verdade como uma superação da agregação dos componentes acima descritos, recaindo nos fundamentos da própria República Federativa do Brasil, e incorporando elementos que possibilitem a transformação de status quo que avancem em relação à ética individual.

No mais, a adoção do conceito enquanto princípio fundamental, podemos crer que a densidade normativa adquirida no processo histórico de desenvolvimento do conceito pode levar a uma maior instrumentalidade e consequente aplicabilidade na defesa dos direitos fundamentais na Constituição brasileira, com relação principalmente aos julgados recentes e fundamentação latente nas decisões do Supremo Tribunal Federal, eis que atualmente pacificada a importância que este princípio passou a adquirir no ordenamento jurídico interno.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

AÇÃO CONTROLADA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Ação controlada na investigação criminal: entre a normatividade e a factibilidade

Elaborado em 10/2011.



Quando a Autoridade Policial ou seus agentes, em qualquer caso, independentemente de previsão legal, vislumbrar situação de fato que aconselhe o retraimento inicial em relação a uma abordagem para depois atuar com maior eficácia, deve assim agir, sob pena de atuar de forma pouco inteligente e hábil.

De acordo com o artigo 301, CPP, a prisão em flagrante pela Autoridade Policial ou seus agentes é obrigatória, configurando infração administrativa e ilícito penal (prevaricação) a sua não realização quando possível. Ocorre que há casos em que a atuação da Autoridade ou seus agentes, prendendo em flagrante em certas circunstâncias especiais pode levar a um prejuízo na melhor apuração das condutas criminosas envolvidas, conduzindo à prisão de pessoas de menor importância num grupo criminoso e deixando livres indivíduos de maior relevância. Também pode prejudicar a devida recuperação de produtos, apreensão de objetos, documentos, instrumentos ou substâncias ou mesmo a liberação de reféns, conforme o caso.

Com vistas a esta realidade fática o legislador erigiu o chamado "flagrante prorrogado, postergado, diferido, protelado, adiado ou retardado ou ação controlada", que nada mais é do que a autorização legal para que as Autoridades Policiais e seus agentes possam protelar uma prisão com o fim de uma melhor apuração criminal.

A figura do flagrante protelado é prevista em dois diplomas legais: a Lei de combate ao Crime Organizado (Lei 9.034/95) em seu artigo 2º., II e a Lei de Drogas (Lei 11.343/06) em seu artigo 53, II. [01]

A doutrina tem apontado que essa prática policial somente é viável no tráfico de drogas e nas organizações criminosas, inclusive, mesmo no tráfico, em havendo situação que permita concluir pela existência de uma organização criminosa. [02]

Não obstante os judiciosos entendimentos neste sentido, considera-se que quando a Autoridade Policial ou seus agentes, em qualquer caso, independentemente de previsão legal, vislumbrar situação de fato que aconselhe o retraimento inicial em relação a uma abordagem para depois atuar com maior eficácia, deve assim agir, sob pena de atuar de forma pouco inteligente e hábil em seus misteres. Um exemplo pode aclarar:

Considere-se que um indivíduo esteja sendo vigiado por suspeita da prática de cárcere privado em relação a uma determinada pessoa. Em meio à vigilância, estando ele na via pública, percebe-se que está portando um revólver na cintura, possivelmente infringindo o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03, artigo 14 ou 16). Entretanto, não se sabe onde está a pessoa encarcerada, sendo necessária a localização para sua liberação, a qual possivelmente será prejudicada pela detenção do agente. Deveria a Autoridade Policial agir como um autômato teleguiado pelo artigo 301, CPP e pela Lei 10.826/03 e, numa atitude de estultice, prender o suspeito em flagrante por porte ilegal de arma, deixando a vítima sob o risco de jamais ser localizada no cativeiro, podendo até perecer naquele local, agora abandonada até mesmo por seu algoz, que, utilizando de seu direito constitucional ao silêncio, simplesmente pode nada informar às autoridades? Não se tratando de tráfico de drogas ou de organização criminosa, estaria a Autoridade Policial obrigada a agir como incompetente? Isso certamente seria o mesmo que tornar a expressão "inteligência policial" contraditória!!! Haveria uma lei obrigando os policiais a serem incompetentes e tolos!

O correto seria continuar o monitoramento e somente prender o suspeito em momento oportuno, por exemplo, quando ele se dirigisse para uma residência ou local suspeito de ser o cativeiro, possibilitando a apuração de ambos os crimes (porte ilegal de arma e cárcere privado), bem como, principalmente, liberando a vítima.

Mas, o que fazer com a infração administrativa que determina o cumprimento das normas legais e regulamentares e o crime de prevaricação? Obviamente que tais infrações não se perfazem em casos como este. Não há qualquer atuação dolosa e nem mesmo culposa atribuível à Autoridade que age com competência em sua função, procurando, ao reverso, cumprir as normas legais e regulamentares em seu máximo alcance. Também, muito menos, há prevaricação, pois a inação momentânea não se dá para satisfação de qualquer interesse ou sentimento pessoal, mas com vistas ao interesse público e à preservação máxima possível dos bens jurídicos em jogo (inteligência do artigo 319, CP).

Assim sendo as previsões da Lei 9.034/95 e da Lei 11.343/06 não são taxativas, inobstante as respeitáveis opiniões em contrário. O necessário é uma avaliação do caso concreto em que se possa detectar justa causa para o protelamento da Prisão em Flagrante com vistas à maior eficácia da atividade repressivo – investigatória.

Neste sentido manifesta-se Silva na doutrina especializada:

"Em que pese o tratamento legal específico para apuração do crime organizado, o emprego da ação controlada visando apurar a prática de conduta que não tenha relação com a criminalidade organizada pode ser resolvido no campo do direito material. Assim é que o agente policial que retarda sua intervenção para aguardar o momento mais adequado para cumprir com seu dever funcional de interromper o crime em curso não age com o dolo específico de ‘satisfação de interesse ou sentimento pessoal’ exigido pelo legislador penal, mas com a finalidade de aguardar o melhor momento para surpreender o autor do delito. E, assim, não pratica crime de prevaricação, por ausência do elemento subjetivo do tipo". [03]

Outro aspecto que se julga importante sobre a chamada "ação controlada" na dicção do artigo 2º., II, da Lei 9034/95 é que naquele diploma não é feita a exigência de prévia ordem judicial para a adoção desse procedimento pela Autoridade Policial. [04] Isso é visível pela falta de menção no dispositivo e pelo fato de que, por exemplo, nos incisos IV e V a lei faz menção expressa à necessidade dessa autorização prévia, demonstrando que não o exige no inciso II. É claro que também não o diz no inciso III, embora nele seja induvidosa a necessidade de ordem judicial para o acesso de dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. Mas, nesse caso o legislador não precisava mesmo mencionar porque tais quebras de sigilo são reguladas por leis especiais que já exigem a ordem judicial. O inciso IV exige a menção expressa sobre ordem judicial porque a captação ambiental de sinais, sons e imagens não é regulada por outra legislação, nem mesmo na Lei de Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/96). Assim também ocorre com a infiltração de agentes, somente prevista na época na própria Lei de combate ao Crime Organizado e hoje prevista também na Lei de Drogas (artigo 53, inciso I, também com exigência de ordem judicial prévia).

A "ação controlada" não era também prevista em outra legislação que exigisse ordem judicial para sua adoção, de modo que ao regulá-la sem essa exigência o legislador dispensou tal ordem. Acontece que posteriormente o mesmo instituto é previsto na Lei de Drogas (Lei 11.343/06, artigo 53, II), onde se determina que haja necessidade de ordem judicial e inclusive prévia oitiva do Ministério Público.

Nessa situação três interpretações podem surgir:

-A Lei 11.343/06 (posterior) teria derrogado a Lei 9034/95 (anterior) [05], passando a haver necessidade de ordem judicial para a ação controlada em qualquer caso, envolvendo drogas ou não;

-Cada diploma legal teria sua aplicação separada, não havendo necessidade de ordem judicial prévia para a apuração de crime organizado, mediante ação controlada dos órgãos policiais, desde que não se verse sobre tráfico de drogas, quando, devido à especialidade, a ordem judicial e oitiva prévia do Ministério Público são impostas por lei. [06]

-Nos casos de crime organizado (Lei 9.034/95) não é necessária ordem judicial prévia, mesmo em se tratando de tráfico de drogas. Apenas será necessária ordem judicial prévia para apurações referentes a tráfico de drogas que não envolvam organização criminosa. [07]

Entende-se que o terceiro posicionamento é o mais correto, mas não é compreensível a razão de tratamento tão desigual. Também não é inteligível a motivação do legislador em condicionar a ação controlada ou o flagrante diferido no caso de drogas à prévia ordem judicial e oitiva ministerial. Isso, de acordo com a experiência, torna essa atividade praticamente inviável. Em primeiro lugar, arrasta o Juiz para uma atuação tipicamente investigatória, o que não é recomendável no sistema acusatório. Além disso, a decisão sobre um retardamento na ação policial é tomada em campo, no momento de ação e deve ser imediata. Não se vislumbra possibilidade prática de que a Autoridade Policial possa representar formalmente e por escrito ao Juiz, aguardando a manifestação ministerial e uma ordem posterior. A formalidade, nesse caso, imiscui-se onde não é chamada, onde é mesmo impraticável. Imagine-se que uma Autoridade Policial depare com um caminhão carregado de cocaína durante investigações e tenha condições de interceptá-lo de imediato, isso em torno das 03 h da manhã. No entanto, sabe que tal caminhão se dirige a um depósito muito maior de drogas e onde estariam homiziados os principais agentes do grupo criminoso. Deveria a Autoridade se contentar em prender imediatamente o mero motorista? Ou então, teria que retornar à Delegacia para elaborar uma representação e protocolar no Fórum, aguardando novas orientações do Judiciário e Ministério Público? Ora, é isso que a lei manda fazer!!! Sinceramente trata-se de algo totalmente apartado da realidade, uma conformação legal produzida claramente por pessoas que não têm qualquer vivência do cotidiano criminal. [08] A ação controlada deveria ser algo muito informal, como o é toda atividade investigatória pré – processual, sob pena de tornar-se impraticável. Deve caber a decisão sobre o protelar do flagrante ou a ação controlada, somente à Autoridade Policial, devendo tudo ser narrado com pormenores nos autos de investigação e posteriormente sim avaliada jurisdicionalmente a correção ou não desse procedimento. Mas, ao menos no caso das drogas, há exigência legal de ordem judicial prévia e de anterior manifestação do Ministério Público. Pensa-se que nesses casos a Autoridade Policial deve agir com base no Direito Material, ciente de que não prevarica nem descumpre deveres funcionais, de modo que sua atuação é lícita e, consequentemente lícitas a provas obtidas, pois que a formalidade torna-se estéril e impraticável, razão pela qual inexigível. Além disso, envolvendo o caso organização criminosa, ainda que referente ao tráfico de drogas, pode-se aplicar os dispositivos especiais da Lei 9.034/95 que dispensam a ordem judicial prévia, conforme entendimento do STJ.

Por derradeiro é importante lembrar que também a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), prevê uma espécie de "ação controlada" no seu artigo 4º., § 4º., que assim dispõe:

"A ordem de prisão de pessoas ou da apreensão ou sequestro de bens, direitos ou valores, poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações".

Certamente, como vislumbra Mendonça [09], esse dispositivo pode abranger mais uma modalidade de "flagrante retardado". No entanto, é preciso notar que o instituto ali desenvolvido é muito mais abrangente, referindo-se também a prisões por ordem judicial (v.g. temporárias ou preventivas) e a outras cautelares reais, tais como apreensões e sequestros de bens, direitos e valores. Por isso a deliberação neste texto de tratamento apartado dessa espécie de "ação controlada".

A Lei 9613/98 também prevê necessidade de prévia ordem judicial e oitiva do Ministério Público para a realização dessas espécies de ações controladas. Não se discute a oportunidade e conveniência da ordem judicial como pré – requisito nos casos de prisões derivadas de mandados de prisão judiciais, bem como ordens judiciais de apreensão ou sequestro. Ora, sem uma prévia determinação judicial não caberia a qualquer Autoridade postergar, seja por que motivo for uma determinação oriunda do Judiciário. Por isso imprescindível realmente a ordem prévia para tanto. No que tange à Prisão em Flagrante, que parece de menor incidência nos casos de Lavagem de Dinheiro, valem os comentários anteriormente despendidos, com fulcro na Lei de combate ao Crime Organizado e no Direito Material, a afastarem, em certos casos a necessidade de ordem judicial prévia. Também releva destacar que essa ação controlada prevista na Lei 9.613/98 é passível de utilização em quaisquer casos de lavagem de dinheiro e não somente naqueles que envolvam organizações criminosas, pois que se trata de uma estratégia por demais útil nessa espécie de investigação, permitindo uma atuação mais adequada e no momento mais propício. Conforme bem destacam Márcia Monassi Mougenot Bonfim e Edílson Mougenot Bonfim em obra especializada:

"A detenção de um ‘operário’ ou ‘avião’ de uma organização criminosa, por exemplo, pode causar mais prejuízos do que benefícios à investigação. Melhor retardar a diligência e agir em momento mais oportuno, depois de identificar os demais envolvidos ou após apurar a origem delitiva de outros bens ou valores". [10]

Percebe-se que a ação controlada é um instrumento altamente útil na investigação referente à denominada "macrocriminalidade", embora seu tratamento legal deixe um pouco a desejar, sendo necessário seu complemento por aplicação cuidadosa da razoabilidade e do bom senso, para além dos regramentos formais (processuais) da matéria. É preciso atentar para a instrumentalidade das formas e, especialmente, para o Direito Material envolvido, que afasta infrações administrativas e/ou penais quando a Autoridade Policial atua com o fito de buscar a melhor apuração possível dos fatos, agindo de forma inteligente e emprestando o maior grau de proteção possível aos bens jurídicos em jogo, bem como dando o máximo de eficácia às normas legais envolvidas.

A personagem Sabina criada por Kundera em seu romance é uma pintora que produz quadros onde predomina em um plano frontal um estilo realista, mas deixando sempre ao fundo alguma imagem misteriosa ou abstrata. Nas palavras da personagem: "Na frente estava a mentira inteligível, e atrás a incompreensível verdade".[11]

Por vezes também o legislador age como Sabina: apresenta-nos a lei concreta, palpável, ideal e clara, coloca-a à nossa frente, deixando bem ao fundo em pinceladas tênues, quase imperceptíveis a realidade do mundo da vida, a qual precisamos perscrutar com sensibilidade para além da mera exegese confortável e fácil, desvelando uma verdade que nesse nível primário (pura exegese) seria inalcançável, incompreensível mesmo. Mas, sem acesso à qual jamais se poderia distinguir entre normatividade e factibilidade.


REFERÊNCIAS

BONFIM, Edílson Mougenot. Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2011.

BONFIM, Márcia Monassi Mougenot, BONFIM, Edílson Mougenot. Lavagem de Dinheiro. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

ESPÍNOLA, Eduardo, ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Volume 1. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

GOMES, Luiz Flávio (coord.). Nova Lei de Drogas comentada. São Paulo: RT, 2006.

KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

MARCÃO, Renato. Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas. São Paulo: Saraiva, 2011.

MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003.


Notas

  1. Esse tem sido o entendimento em geral. Discorda do pensamento predominante Marcão, afirmando que a hipótese da Lei 11.343/06 não trataria de flagrante protelado, mas de ação controlada diversa daquela prevista na Lei 9.034/95, esta sim criadora do flagrante postergado. Cf. MARCÃO, Renato. Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 82 – 83. Entende-se que o pensamento predominante está com a razão no caso específico, pois que não se enxerga diferença de natureza entre os dispositivos correlatos da Lei de Drogas e da Lei de Combate ao Crime Organizado. No sentido predominante: BONFIM, Edílson Mougenot. Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70. MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. Rio de Janeiro: Forense, 2011., p. 168.
  2. Neste sentido Muccio, trazendo ainda as lições de Fernando Capez e Luiz Flávio Gomes. MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011., p. 1.131 – 1132. Ver também no mesmo sentido: MARCÃO, Renato. Op. Cit. , p. 82.
  3. SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003, p. 93 – 94.
  4. Cf. SILVA, Eduardo Araújo. Op. Cit., p. 94. Também assim se posiciona Mendonça: MENDONÇA, Andrey Borges de. Op. Cit., p. 168. O autor arrola inclusive "decisum" do STJ a respeito: "Organização criminosa. Ação policial controlada. Artigo 2º., inciso II, da Lei 9.034/95. Prévia autorização judicial. Ausência de previsão legal. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada. 1. Da mesma forma, à míngua de previsão legal, não há como reputar nulo o procedimento investigatório levado a cabo na hipótese em apreço, tendo em vista que o artigo 2º., inciso II, da Lei 9.034/95 não exige prévia autorização judicial para a realização da chamada ‘ação policial controlada’, a qual in casu, culminou na apreensão de cerca de 450 kg (quatrocentos e cinquenta quilos) de cocaína. 2. Ademais, não há falar-se na possibilidade dos agentes policiais virem a incidir na prática do crime de prevaricação, pois o ordenamento jurídico não pode proibir aquilo que ordena e incentiva. 3. Ordem denegada. (HC 119.205/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª. Turma, julgado em 29.09.2009, DJe de 16.11.2009)". Observe-se que o julgado do STJ permite a ação controlada independentemente de ordem judicial, mesmo em caso de tráfico de drogas, desde que envolvendo organização criminosa.
  5. Seria caso de revogação tácita em que a lei posterior é incompatível com a lei anterior, o que não parece razoável, já que cada diploma pode ter sua área de aplicação própria. Conforme lecionam Espínola e Espínola Filho, a revogação da lei anterior pela posterior somente se dá por incompatibilidade "absoluta", de modo que as duas normas não possam conviver harmonicamente no mesmo ordenamento jurídico. Sendo "duvidosa a incompatibilidade", impõe-se uma interpretação capaz de conjugar ambas as normas, fazendo "desaparecer a antinomia". Ademais, alertam os autores que, conforme escólio de Stolfi "nem sempre a lei especial derroga a geral, podendo perfeitamente acontecer que introduza, a lei especial, uma exceção ao princípio geral, que deve coexistir ao lado deste". Pode-se dizer que "a lei especial só revoga a geral, quando a ela se referir, ou ao seu assunto, e exclusivamente no ponto em que a altera ou a exclui explicitamente ou implicitamente, o que, aliás, é o caso mais freqüente". ESPÍNOLA, Eduardo, ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Volume 1. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 63 – 70. Observe-se que atualmente a antiga "Lei de Introdução ao Código Civil" passou a denominar-se "Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro", por força da Lei 12.376/10. Anote-se ainda que no caso enfocado a lei posterior, ainda que considerada especial não toca no tema de revogação da Lei 9.034/95 e pode perfeitamente coexistir com esta, aplicando-se tão somente aos casos de tráfico de drogas, inclusive somente àqueles que não envolvam organização criminosa. Não há, em suma, incompatibilidade absoluta entre as normas em referência.
  6. SILVA, Eduardo Araújo da. Op. Cit., p. 94.
  7. Vide teor da decisão do STJ em nota de rodapé anterior, referente ao HC 119.205/MS.
  8. Inobstante isso, a adoção da ordem judicial e oitiva prévia do Ministério Público têm sido aplaudidas como inovações corretas da Lei 11.343/06 em relação à Lei 9034/95. Ver por todos: GOMES, Luiz Flávio (coord.).Nova Lei de Drogas comentada. São Paulo: RT, 2006, p. 230. Entende-se que falta, nesse passo, uma maior reflexão prática sobre o tema. Além disso, há a menção à legislação estrangeira como um dos argumentos favoráveis à prévia ordem judicial ou mesmo ministerial, olvidando-se as diferenças enormes entre a organização judicial, ministerial e policial brasileira e a de outros países em que, por exemplo, Ministério Público e Polícia ou o Juízo de Instrução e a Polícia atuam praticamente em conjunto harmônico, constituindo quase que uma mesma instituição. Isso nada tem a ver com a realidade brasileira!
  9. MENDONÇA, Andrey Borges de. Op. Cit., p. 168.
  10. Lavagem de Dinheiro. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 78.
  11. KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 65

terça-feira, 18 de outubro de 2011

EM PAUTA: POLÍCIA FERROVIÁRIA FEDERAL


CÂMARA DOS DEPUTADOS

COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA E CONTROLE
54ª Legislatura - 1ª Sessão Legislativa Ordinária

PAUTA DE REUNIÃO ORDINÁRIA
DIA 19/10/2011

SUJEITA A ALTERAÇÕES

LOCAL: Anexo II, Plenário 09

HORÁRIO: 09h30

REQUERIMENTO Nº 207/11 - do Sr. Ademir Camilo - que "requerimento para que seja convidado o Sr. Secretário Executivo do Ministério da Justiça Sr. Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto e o Subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do MJ Sr. Paulo Machado, Sub-Secretário de Assuntos Legislativos do MJ Dr. Gabriel de Carvalho de Sampaio e o Assessor Sr. Francisco Carvalheira Neto, os Srs. Consultores Jurídicos do Ministério da Justiça Dra. Tatiana Malta Vieira e Dr. Gilberto Yuji Shiraishi, e os Senhores da Comissão Nacional dos Representantes da Polícia Ferroviária Federal Sr. Antonio Francisco Leão de Decco e Sr. Eduardo Oliveira Coimbra, para em reunião de audiência pública, relatar sobre as alternativas encontradas para a implementação do dispositivo do § 8° do art. 29 da Lei n. 10.683 de 28/05/2003, incluído pela Lei n. 12.462 de 05/08/2011".

REQUERIMENTO Nº 209/11 - do Sr. Ademir Camilo - que "requerimento para que seja convidado o Sr. Ministro de Estado da Justiça Sr. José Eduardo Cardozo, Secretário Executivo do Ministério da Justiça Sr. Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, Secretário Geral da Consultoria da Advocacia Geral da União - AGU Dr. Fernando Luiz Albuquerque Faria, Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Sr. Duvanier Paiva Ferreira, Procurador Regional do Trabalho da 6ª Região - PE Dr. Aloízio Aldo Júnior, o Advogado Dr. Reginaldo Oliveira Silva e o Coordenador Nacional Sr. Antonio Francisco Leão de Decco da Comissão Nacional dos Representantes da Polícia Ferroviária Federal, para em reunião de audiência pública, relatar sobre as alternativas encontradas para a implementação do dispositivo do § 8° do art. 29 da Lei n. 10.683 de 28/05/2003, incluído pela Lei n. 12.462 de 05/08/2011".